Sou uma estafada e relativamente conhecedora de Fernando Pessoa. Em círculos, presumivelmente letrados sobre o poeta, coibo-me de me manifestar ou emitir as minhas opiniões sobre o resultado de análises efectuadas - não seria entendida, e, pior, seria "excomungada", por certo. Considero-o um louco, que teve a felicidade de saber reger-se com a magia com que as palavras nos encantam. Por outro lado, engendrou os "heterónimos", com que, capciosamente, toldou a mente de muitos eméritos que por aí polulam em histeria colectiva. Tal como uma peça de teatro, nos moldes iniciais, um actor pode "vestir a pele"de várias personagens - foi isso que ele conseguiu orquestrar magistralmente. Contudo, deu-se ao luxo e à garrulice infinitos, incansáveis de saber que faria de muitos inteligentes os títeres da sua fecunda prolixidade.
Tive a alegria inusitada de participar numa deliciosa desmontagem e (des)construção de Fernando Pessoa numa incursão através de Álvaro de Campos.
Na sessão do passado Sábado, 30 de Novembro, para comemorar os 125 anos da sua morte, no Centro Cultural MALAPOSTA
a função iniciou-se, (sem programa disponível, e sala cheiinha), com a jovem actriz Paula Cortes a ler o poema Tabacaria, inserto nas "Poesias de Álvaro de Campos". Longo, extenso, exaustivo.
Sobre o mesmo, e porque foi tese com que Richard Zenith ganhou o Prémio Fernando Pessoa 2012, fomos absorvidos pela empolgante abordagem dos seus estudos - um apaixonado com vontade de vencer, também, o prémio deste ano.
Intervalando as pausas, Joe Coronado deliciou-nos com tocatas ao piano, e, inevitavelmente, tocou Omar Rayan.
Mário Máximo, o tertuliano organizador, Presidente do Conselho de Administração da Municipália EM, foi o moderador, em diálogos abertos, extemporâneos com Manuel Coelho, o director do MALAPOSTA.
Luís Miguel Rosa, sobrinho de Fernando Pessoa, filho caçula da irmã mais velha, contribuiu bastante para a desmistificação de Pessoa, relatando as "estórias", as partidas e as tropelias que o poeta concebia para seu entretenimento no envolvimento com a família, e principalmente com os sobrinhos.
Antes de se encerrar a sessão, com o descerrar de uma mini-lápide comemorativa, no átrio do teatro, junto ao bar, tivémos a oportunidade de ouvir Elsa de Noronha num poema de Natal, de Fernando Pessoa. Tendo sido convidada a participar, garantindo-nos que o Português que conhecia e praticava não se identificava com as várias facetas do autor, que dificilmente se fizera entender para ela, concitou as atenções gerais, (como é seu hábito, aliás), com esta brincadeira inserta no "Cancioneiro":
Chove . É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
Haverá mais, ainda, sobre Álvaro de Campos no MALAPOSTA, conforme cartaz-convite:
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10/11/2013, (09h:55')